quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Na Gruta de São Miguel Arcanjo: História, Fé e Peregrinação no Monte Gargano

I. Introdução: O Guardião Celestial e o Monte Sagrado


São Miguel Arcanjo, Gruta Monte Gargagno, foto HistoriacomGosto

I.1 - Os Anjos na Bíblia

Os anjos são seres celestiais, mensageiros de Deus, criados para servi-Lo e executar Sua vontade. Eles aparecem em diversos momentos e com diferentes funções ao longo das Escrituras:

Mensageiros: Anunciam nascimentos (como Gabriel a Maria sobre Jesus), revelam profecias (a Daniel), e transmitem instruções divinas.

Protetores e Guardiões: Protegem os fiéis (Salmo 91:11-12) e guardam o Éden (Gênesis 3:24).

Guerreiros: Participam de batalhas espirituais e celestiais (como no livro de Daniel e Apocalipse).

Adoradores: Louvam a Deus constantemente no céu (Isaías 6:1-3, Apocalipse 4:8).

Executores da Justiça Divina: Como os anjos que destruíram Sodoma e Gomorra (Gênesis 19).

I.2  Quem é São Miguel Arcanjo?



São Miguel é um dos poucos anjos nomeados na Bíblia, e sua menção é sempre ligada a um papel de grande importância, especialmente como defensor e líder. Ele é explicitamente chamado de "Arcanjo" em uma passagem e associado à luta contra o mal.
  • Significado do nome em hebraico ("Quem é como Deus?").

  • O papel na teologia católica: Príncipe da Milícia Celeste, guerreiro contra Satanás (Apocalipse 12:7-9), defensor das almas e padroeiro da Igreja.


II. A História das Aparições no Monte Gargano (Século V)


II.1 O Monte Gargagno e Monte Sant'Angelo


O Monte Gargano, ou Promontório do Gargano, é uma região geográfica e histórica fascinante localizada na região da Apúlia (Puglia), no sul da Itália, mais especificamente na província de Foggia. Visível no mapa da Itália como o "esporão da bota", o Gargano se projeta majestosamente no Mar Adriático, formando um dos litorais mais impressionantes do país.

Localização do Monte Gargano, google maps



Localização e Geografía

Trata-se de um maciço montanhoso isolado, coberto por densas florestas e caracterizado por uma costa rochosa e recortada, repleta de enseadas escondidas e grutas marinhas. Sua altitude máxima é de 1.055 metros no Monte Calvo. A combinação de montanhas, florestas e mar confere-lhe uma beleza natural singular.

A linha de São Miguel

A "Linha Sacra de São Miguel Arcanjo", ou Linha de São Miguel, é  uma crença popular que postula uma conexão mística entre sete santuários dedicados ao Arcanjo Miguel, que estariam alinhados em uma reta perfeita do Oceano Atlântico até Israel.

Embora não haja uma base astronômica ou geográfica cientificamente comprovada para um alinhamento "perfeito", a lenda destaca a profunda devoção a São Miguel Arcanjo em locais distantes, e a impressionante coincidência de que esses importantes centros de culto ao Arcanjo se encontram em uma linha imaginária que atravessa a Europa.

Os sete santuários frequentemente citados nesta linha são:

Skellig Michael (Irlanda); St. Michael's Mount (Cornualha, Inglaterra); Mont Saint-Michel (Normandia, França); Sacra di San Michele (Vale de Susa, Itália); Santuário de São Miguel Arcanjo no Monte Gargano (Apúlia, Itália); Symi (Grécia)no Mosteiro de Panormitis; Mosteiro de Monte Carmelo (Haifa, Israel)

Linha de São Miguel, fonte:site Aleteia


Monte Sant'Angelo: É uma cidade (ou comuna) que fica localizada em uma das elevações desse grande maciço montanhoso que é o Monte Gargano. A cidade se desenvolveu e cresceu ao redor do famoso Santuário de São Miguel Arcanjo. Quando as aparições ocorreram e a gruta foi dedicada, elas aconteceram naquele ponto específico da península do Gargano onde a cidade de Monte Sant'Angelo hoje se encontra e onde o santuário foi erguido. 

Comuna de Sant'Angelo, foto de © Luca Lorenzelli
em dreamstime.com

                                    

II.2 - As Aparições

a) A Primeira Aparição (Cerca de 490 d.C.): O Milagre da Flecha

A história começa com um rico pastor, ou nobre de Siponto, chamado Gargano. Ele possuía vastos rebanhos que pastoreavam nas encostas do Monte Gargano. Em um dia, um de seus touros mais valiosos se perdeu do rebanho e, após longas buscas, foi encontrado no interior de uma gruta na montanha. Furioso com a dificuldade de recuperar o animal, Gargano decidiu usar um arco e flecha para forçá-lo a sair.

No momento em que Gargano disparou a flecha em direção ao touro, um acontecimento milagroso e inexplicável ocorreu. A flecha, em vez de atingir o animal, deu uma curva no ar e retornou com grande velocidade, ferindo o próprio Gargano. Este incidente causou espanto e temor em todos que testemunharam, pois era um sinal claro de que algo divino estava em jogo.

    festa da aparição de São Miguel Arcanjo, pintura de  Cesare Nebbia
                    em Museus Vaticano
foto de David Castor


Diante de um prodígio tão assombroso, a notícia rapidamente chegou ao Bispo de Siponto, São Lourenço Maiorano. Reconhecendo a natureza sobrenatural do ocorrido, o Bispo, em profunda reflexão e oração, decretou um período de três dias de jejum e oração para toda a comunidade. Ele buscava compreender o significado por trás do sinal e a vontade de Deus.

Ao final dos três dias de jejum e oração, São Miguel Arcanjo apareceu ao Bispo São Lourenço Maiorano. Em sua mensagem, o Arcanjo revelou que a gruta onde o touro foi encontrado e onde o milagre da flecha ocorreu era um lugar sagrado, sob sua proteção especial. Ele declarou que não era necessário consagrar o local por mãos humanas, pois ele próprio já o havia santificado com sua presença. São Miguel instruiu o Bispo a dedicar o local à sua veneração, prometendo sua constante intercessão e proteção aos que ali o procurassem.

Este evento marcou o Monte Gargano como um dos mais antigos e importantes santuários dedicados a São Miguel Arcanjo, tornando-se um local de peregrinação e devoção ao longo dos séculos.


b) A Segunda Aparição (O Cerco de Siponto): A Vitória Pela Intercessão


Alguns anos após a primeira aparição, no ano de 492 d.C. (outras fontes indicam 493 d.C.), a cidade de Siponto, localizada na planície abaixo do Monte Gargano, enfrentava uma grave ameaça. Uma horda de pagãos, os Osgotths (Visigodos ou Ostrogodos, dependendo da fonte histórica), sob o comando do rei Odoacro, cercou a cidade. Os habitantes de Siponto, em sua maioria cristãos, estavam em desespero, vendo-se em grande desvantagem numérica e militar. A queda da cidade parecia iminente, e com ela, a escravidão e a morte.

Diante da desesperadora situação, o Bispo São Lourenço Maiorano, novamente, liderou o povo em oração e jejum. Durante um desses momentos de súplica fervorosa, São Miguel Arcanjo apareceu ao Bispo uma segunda vez. A aparição foi clara e trazia uma mensagem de esperança e coragem. O Arcanjo anunciou que os habitantes de Siponto não deveriam temer. Ele prometeu que estaria à frente de suas tropas na batalha e garantiria a vitória contra os invasores, desde que eles se mantivessem firmes na fé. São Miguel instruiu o Bispo a preparar o povo para a batalha no terceiro dia.

Pintura de São Miguel Arcanjo,"A queda dos Anjos rebeldes",
quadro de Sebastiano Ricci, Gallerie d'Italia em Vicenza

Encorajados pela mensagem do Arcanjo, os sipontinos saíram para enfrentar o exército inimigo. Conforme a promessa de São Miguel, a batalha foi marcada por eventos extraordinários. Uma forte tempestade irrompeu, acompanhada de raios, trovões e uma chuva de granizo, que não atingia os sipontinos, mas sim as fileiras dos invasores pagãos. Esta intervenção divina causou pânico e desorganização entre os inimigos, que, assolados pelas forças da natureza e pela inesperada resistência, foram facilmente derrotados e dispersos.

A vitória milagrosa confirmou o poder e a proteção de São Miguel Arcanjo. A cidade de Siponto foi salva, e a fé no Arcanjo defensor se fortaleceu imensamente. Este episódio consolidou a reputação do Monte Gargano como um lugar sagrado, onde o próprio Arcanjo Miguel havia intervindo diretamente para proteger seu povo. Em agradecimento, o povo de Siponto erigiu uma igreja na entrada da gruta, dedicando-a a São Miguel Arcanjo, conforme as instruções recebidas nas aparições.


c) A Terceira Aparição (A Dedicação da Gruta - 29 de Setembro)


Após a vitória milagrosa sobre os invasores e o reconhecimento do poder de São Miguel Arcanjo, o Bispo São Lourenço Maiorano sentiu-se compelido a realizar uma consagração formal da gruta. De acordo com os ritos da Igreja, um local de culto deve ser solenemente consagrado por um bispo para ser considerado um espaço sagrado dedicado a Deus. O Bispo, junto com seu clero e o povo, queria abençoar e dedicar a caverna a São Miguel Arcanjo de maneira oficial, cumprindo os protocolos eclesiásticos. Enquanto se preparavam para a cerimônia de consagração, São Miguel Arcanjo apareceu ao Bispo pela terceira e última vez no Monte Gargano.

Nesta aparição final, São Miguel transmitiu uma mensagem profundamente significativa que dispensava a necessidade de qualquer rito humano. O Arcanjo declarou ao Bispo que não era necessário que ele, ou qualquer outro ser humano, consagrasse o local. Com palavras que ressoaram pela história, São Miguel afirmou: "Eu mesmo me encarreguei de santificar este lugar." Ele explicou que, por sua própria presença e as manifestações divinas ocorridas ali, a gruta já estava divinamente consagrada e, portanto, não precisava de consagração humana. Esta mensagem sublinhou a origem celestial e a santidade intrínseca do santuário, tornando-o único por ser o único local de culto que não foi consagrado por mãos humanas.

Gruta de São Miguel, foto HistoriacomGosto



A data da dedicação da gruta-santuário a São Miguel Arcanjo, após estas aparições e a intervenção divina, passou a ser celebrada em 29 de setembro. Esta data é tradicionalmente conhecida como a Festa dos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael

Embora a consagração não tenha sido feita por um bispo, a Igreja reconheceu a santidade do local e a vontade do Arcanjo, e a data de 29 de setembro foi estabelecida para celebrar não apenas as aparições no Monte Gargano, mas também a dedicação da basílica e, por extensão, todos os anjos. A escolha dessa data reflete a reverência e o reconhecimento da Igreja pela intervenção celestial em Gargano, tornando-se um marco litúrgico importante para a veneração angélica.


A Quarta Aparição (Epidemia de Peste em 1656)


Esta aparição ocorreu muitos séculos depois das primeiras, no ano de 1656, durante uma devastadora epidemia de peste que assolava a região da Capitanata, na Apúlia, incluindo a cidade de Manfredonia (fundada mais tarde, perto de Siponto). A doença causava grande sofrimento e mortes, e a população estava em desespero. O Bispo da cidade na época, Monsenhor Giovanni Puccinelli, intensificou as orações e súplicas a São Miguel Arcanjo para que intercedesse pelo fim da calamidade.

Durante este período de oração fervorosa, São Miguel Arcanjo apareceu ao Bispo Puccinelli. Esta aparição veio como uma resposta direta às preces da comunidade, oferecendo uma esperança de libertação da praga que os assolava.

Na aparição ao Bispo Puccinelli, São Miguel Arcanjo revelou a forma pela qual a peste seria contida. Ele instruiu que qualquer pessoa que tocasse uma pedra da gruta sagrada do Monte Gargano, fizesse nela o sinal da cruz e gravasse seu nome (São Miguel Arcanjo), seria libertada da praga e ficaria protegida de futuras infecções.

Relíquia de pedra da gruta São Miguel, foto Instagram de 

                Apostolado Reliquiæ Sanctorum


Esta promessa gerou um enorme alívio e renovou a esperança. As pedras da gruta passaram a ser distribuídas como relíquias protetoras. A fé do povo na intercessão de São Miguel foi tão grande e o resultado tão efetivo que, pouco depois, a peste milagrosamente cessou na região.


III. O Santuário de São Miguel Arcanjo (Santuario di San Michele Arcangelo)


III.1 O Santuário Mais Antigo do Ocidente:



Ao longo dos séculos, o Monte Gargano tornou-se o epicentro da devoção a São Miguel, irradiando sua influência por todo o continente. Serviu como modelo e inspiração para a construção de inúmeras igrejas e santuários dedicados ao Arcanjo em locais como o Mont Saint-Michel na França e a Sacra di San Michele na Itália, que fazem parte da famosa "Linha de São Miguel".

Sacra di Micheli em Turim, foto de © Bozza Ferdinando em dreamstime.com

Em uma época de grandes mudanças e desafios para o Império Romano e o surgimento das nações europeias, o Gargano ofereceu um ponto de ancoragem espiritual, um bastião da fé e um refúgio da proteção angélica contra as invasões e o paganismo. Foi um dos primeiros e mais importantes destinos de peregrinação na Europa, atraindo fiéis de todas as partes do Ocidente.

Essa consagração "celestial" confere ao santuário um status único. Ele é visto como um lugar diretamente escolhido e santificado por Deus através de Seu principal Arcanjo, tornando-o um espaço de especial presença divina. Não é uma construção humana que foi santificada, mas uma manifestação divina que criou um santuário natural.


III.2 - A Fachada e seu Portal


A fachada atual da Basílica de São Miguel Arcanjo em Monte Sant'Angelo, como a vemos hoje, é predominantemente medieval, datando principalmente do final do século XIII e início do século XIV.

É caracterizada por um estilo que mescla elementos românicos e góticos. 

Fachada, foto HistoriacomGosto

Portal

Possui um portal ricamente decorado, muitas vezes com um tímpano esculpido e relevos que narram episódios relacionados a  São Miguel ou passagens bíblicas. Há também uma torre sineira (campanário) imponente que se destaca na paisagem, construída sob a supervisão do arquiteto Frederick II Hohenstaufen.


Portal, foto HistoriacomGosto


Vista com a torre sineira, foto HistoriacomGosto


III.3  Inscrição na fachada e a descida à Gruta Sagrada:


Na entrada da Gruta de São Miguel Arcanjo, os peregrinos são confrontados com a famosa inscrição em latim: "Terribilis est locus iste" (Este lugar é terrível).


É crucial entender que a palavra "terrível" aqui não carrega o sentido moderno de algo que causa medo ou horror, mas sim o sentido arcaico e bíblico de impressionante, reverente, que inspira temor sagrado e profunda admiração devido à presença divina.

Esta frase ecoa as palavras de Jacó em Gênesis 28:17, após ter seu sonho com a escada que ligava o céu à terra: "E temeu, e disse: Quão terrível é este lugar! Não é outro senão a casa de Deus; e esta é a porta dos céus."

Portanto, a inscrição serve como um aviso e um convite: um aviso da santidade do lugar, onde o véu entre o humano e o divino é fino, e um convite para entrar com humildade e reverência na presença de Deus e de Seu Arcanjo. Ela sublinha que ali reside uma força e uma sacralidade que transcendem o comum, um local verdadeiramente abençoado pela presença celestial.

Escadas para descida


A descida para a Gruta de São Miguel Arcanjo em Monte Sant'Angelo é uma parte fundamental da experiência do peregrino, um percurso simbólico que leva o fiel das ruas da cidade para as profundezas sagradas da terra.

Para acessar a gruta, os visitantes e peregrinos descem por uma imponente escadaria de pedra, conhecida como Escadaria Sagrada. Esta escadaria é composta por aproximadamente 86 degrausA descida total da entrada até o piso da gruta principal é de cerca de 20 metros de profundidade, escavada na rocha.



Escadaria sagrada, foto HistoriacomGosto

Ao longo da descida, há várias pequenas capelas e altares incrustados nas paredes rochosas, dedicados a diversos santos ou a eventos relacionados com São Miguel Arcanjo.

foto HistoriacomGosto

A escadaria não é apenas um meio de acesso, mas parte integrante do santuário, um espaço de transição que convida à reflexão e à oração antes de se chegar ao coração do santuário, onde a presença do Arcanjo é sentida de forma mais intensa.


foto HistoriacomGosto

III.4 - A Gruta 


Gruta de São Miguel: O interior da gruta é dominado pela rocha natural, viva e palpável em todas as direções. As paredes, o teto e o piso são compostos pela rocha calcária original do Monte Gargano, que foi moldada pela natureza ao longo de milênios. 


Interior da Gruta, foto HistoriacomGosto


Não há revestimentos elaborados ou alvenaria para disfarçar sua origem geológica. Isso confere ao local uma sensação de antiguidade primordial e de estar diretamente conectado à terra e, por extensão, à criação divina. A rocha apresenta texturas variadas, por vezes úmida, por vezes polida pelo toque de milhões de mãos e orações.


Altar dedicado, foto HistoriacomGosto


O Altar Dedicado: No coração da gruta, no ponto onde a tradição indica que o Arcanjo Miguel se manifestou, encontra-se o Altar principal. Este altar não é uma peça de mobiliário litúrgico suntuoso, mas sim uma estrutura mais simples, muitas vezes esculpida na própria rocha ou construída de forma a harmonizar-se com o ambiente natural.   

III.5 Estátua de São Miguel:  

A venerada estátua de mármore de São Miguel Arcanjo que hoje se encontra no altar principal da gruta de Monte Sant'Angelo é uma obra de arte notável e o ponto focal da devoção dos peregrinos.

Imagem de São Miguel, foto HistoriacomGosto

A estátua é esculpida em mármore de Carrara, um material altamente valorizado na escultura por sua pureza e brancura, proveniente das famosas pedreiras da Toscana, Itália.

A autoria da obra é atribuída a Andrea Sansovino (ou a um de seus alunos), um proeminente escultor renascentista italiano. Foi criada no século XVI, especificamente em 1507.

Esta estátua não é apenas uma peça artística; é a manifestação visual da presença do Arcanjo para os milhões de fiéis que visitam a gruta. Colocada no ponto central do santuário, ela serve como um poderoso ícone para a oração, a meditação e a renovação da fé. 

IV. A Devoção e as peregrinações na história

A história do Santuário de São Miguel Arcanjo no Monte Gargano é profundamente entrelaçada com a peregrinação, tornando-o um dos destinos mais venerados e visitados do cristianismo ao longo dos séculos. Sua reputação de santuário "celestialmente consagrado" atraiu uma série de personalidades proeminentes, legitimando ainda mais sua importância espiritual e política.

O local foi ponto de visitação de Papas

a) Papa Gelásio I (século V): Embora a tradição mais conhecida seja a consagração pelo próprio Arcanjo, o Papa Gelásio I é creditado por ter reconhecido oficialmente o santuário após as aparições, enviando uma delegação ou ele mesmo visitando para investigar e aprovar o culto.

b) Papa João Paulo II (1987): Em tempos mais recentes, o Papa João Paulo II realizou uma peregrinação ao santuário em 1987, onde orou na gruta e reafirmou a importância do local para a devoção mariana e angélica, além de ser um ponto de esperança e fortaleza espiritual. Sua visita reacendeu o interesse global pelo santuário.

São João Paulo II, fotografia do Vaticano



O local foi ponto de visitação de Santos

São Francisco de Assis (século XIII): O "Poverello de Assis" visitou o santuário em 1221, mas sentindo-se indigno de entrar na sagrada gruta, parou à sua porta e, como sinal de sua profunda humildade, esculpiu a letra "F" (de Francisco) em uma pedra. É um testemunho comovente de sua reverência.
                                     
São Francisco por Cimabue, 1278 a 1280,
Basilica de São Francisco, Assis
 

Santa Brígida da Suécia (século XIV): A mística e padroeira da Europa, Santa Brígida, também fez a peregrinação ao Gargano.

O local tinha uma grande conexão com Padre Pio:

Padre Pio era conhecido por suas intensas batalhas espirituais com o demônio, que ele frequentemente chamava de "Barbaforte". Para ele, São Miguel Arcanjo era o grande defensor e líder da milícia celestial nessa luta. Ele ensinava seus filhos espirituais a invocarem São Miguel e frequentemente falava da importância da proteção angélica. Portanto, mesmo sem estar fisicamente lá, o Monte Gargano era, para Padre Pio, um símbolo e um ponto de referência crucial na guerra espiritual.

Padre Pio de Pietrelcina



V. - O Município de Monte Sant'Angelo: 


O desenvolvimento de Monte Sant'Angelo está diretamente conectado às aparições do Arcanjo Miguel no século V (entre 490 e 493 d.C.) e à subsequente construção do santuário. A partir desse período, o local rapidamente se tornou um dos centros de peregrinação mais importantes da Europa cristã. A presença constante de peregrinos, incluindo reis, papas e santos, impulsionou o crescimento de um assentamento ao redor da gruta.

Monte Santangelo, foto dreamstime.com


Durante a Idade Média, o vilarejo floresceu. Foi um ponto estratégico sob o domínio de várias potências, incluindo os lombardos, bizantinos, normandos e angevinos, todos reconhecendo a importância espiritual e política do santuário. A estrutura urbana medieval, com suas ruas estreitas e casas de pedra, ainda é visível hoje.

Lojas em Monte Santangelo, próximo à Basílica, foto HistoriacomGosto


Em 2011, o Santuário de São Miguel Arcanjo, juntamente com outros locais de poder lombardo na Itália, foi declarado Patrimônio Mundial da UNESCO, consolidando sua importância histórica e cultural global.
 

VI. - Oração de São Miguel - Papa Leão XIII


Motivos da Oração a São Miguel por Leão XIII

A composição desta oração por Leão XIII, por volta de 1886, está inserida em um período de grande turbulência e desafios para a Igreja Católica, e é frequentemente associada a uma experiência mística ou visão que o Papa teria tido.

Leão XIII ascendeu ao pontificado em 1878, poucos anos após a anexação final dos Estados Pontifícios ao Reino da Itália unificado (1870), que pôs fim ao poder temporal dos Papas e os confinou ao Vaticano. Isso representou um golpe profundo para a Igreja, que se via despojada de seus territórios e com sua independência ameaçada. Havia um sentimento de vulnerabilidade e de perda de influência política e territorial.

Papa Leão XIII, 1898, foto de Francesco De Federicis,
Biblioteca do Congresso Americano

O século XIX foi marcado por um forte anticlericalismo, liberalismo radical e o avanço de ideologias como o socialismo e o materialismo, que frequentemente se opunham abertamente à Igreja Católica.

O motivo mais direto e dramaticamente narrado para a criação da oração é uma suposta visão que o Papa Leão XIII teria tido em 1884 (ou 1886, as datas variam ligeiramente). Segundo relatos, após celebrar a missa em sua capela privada no Vaticano, ele teria permanecido imóvel por um tempo e, em seguida, ido para seu escritório onde compôs a oração. 

Ele teria relatado ter ouvido uma conversa entre Jesus Cristo e Satanás. Nesta visão, Satanás teria se vangloriado de sua capacidade de destruir a Igreja e teria pedido um século de tempo e mais poder para fazê-lo. Jesus teria concedido esse tempo e poder. 

O Papa teria então visto hordas de demônios atacando a Igreja, mas também a intervenção de São Miguel Arcanjo, que os repelia. Profundamente abalado por essa visão, Leão XIII teria concluído que era necessário intensificar a oração para a proteção contra as forças do mal. 

Ele instituiu que esta oração fosse recitada pelos fiéis ao final de todas as Missas "baixadas" (não cantadas) em todo o mundo. A prática perdurou por décadas, até ser suprimida em 1964, após o Concílio Vaticano II, embora muitos fiéis e comunidades ainda a recitem por devoção particular.

Oração a São Miguel Arcanjo:

São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate, sede nosso refúgio contra a maldade e as ciladas do demônio.

Ordene-lhe Deus, instantemente o suplicamos, e vós, Príncipe da Milícia Celeste, pelo poder divino, precipitai no inferno a Satanás e a todos os espíritos malignos, que andam pelo mundo para perder as almas. Amém.



VII. Referências

Notas e Fotos de visita ao Monte Gargano e à Gruta de São Miguel Arcanjo

Il Santuario di San Michele sul Gargano (tra storia e devozione) - Giorgio Otranto e Immacolata Aulisa

Leão XIII e a oração a São Miguel - Kevin Symonds

Pesquisa no Chat-Gpt e Wikipedia

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